sábado, 30 de janeiro de 2010

O Poder da Cultura


Quando voltava pra casa ontem à noite, ouvi o som do ensaio da Escola de Samba Deixa Falar, numa rua paralela à do meu prédio. Apesar de sermos vizinhos e de conhecer praticamente todos os integrantes da escola, eu nunca tinha ido ao ensaio. Então lembrei que o meu primo e sua esposa tocam na bateria da escola e fui conferir.

Logo que cheguei, o meu primo e os amigos fizeram a maior a maior festa e, como sabem que sou Músico, toco Maracatu e coordeno o Tambor de Luanda, trataram de me arrumar um instrumento. De cara, fui tocar surdo, o que não me agradou, pois eu gosto de liberdade (o surdo é responsável pela marcação do Samba). Aí fui pro tamborim e depois parti pra cima da cuíca. Pra encerrar a minha participação na Deixa Falar, o Patrono da escola pediu para que eu puxasse uma das minhas loas (toada de Maracatu) em ritmo de Samba. A escolhida foi a ‘Menininha’, e não é que o resultado ficou muito bom!

Foi uma experiência inesquecível, principalmente pelo que observei enquanto tocava: o poder da cultura popular de derrubar barreiras sociais e aproximar as pessoas. O bairro de Campo Grande, onde moro, assim como praticamente todos os outros da Região Metropolitana do Recife, é vizinho de uma favela e essa comunidade em peso faz parte da Escola de Samba, seja na bateria ou nas diversas alas. Integram a escola, também, pessoas de outros bairros que chegam ao ensaio com o seu Land Rover e outros carrões de fazer babar. Mas é só descerem das suas máquinas que tornam-se mais um no meio da bateria e obedecem às ordens do Mestre, que mora em um barraco e vai ao ensaio de bicicleta.

Eu toco Maracatu há mais de dez anos e nunca me interessei por Escola de Samba. Mas ontem pude constatar que esse tipo de agremiação trabalha valores como união, cooperação, disciplina e respeito de forma mais incisiva do que no Maracatu (afirmo isso com a experiência da dificuldade que tenho em controlar o ego dos viradores, que naturalmente se destacam mais do que os outros batuqueiros). Na Escola de Samba, se algum desses valores não for bem assimilado por qualquer dos integrantes, ela tem a sua harmonia comprometida. Daí o segredo da integração entre diferentes que tanto me chamou a atenção. Mesmo que só por duas horas, o tempo do ensaio, aquelas pessoas, de realidades tão distintas, me encheram de esperança em um dia ver uma sociedade mais justa e equilibrada, pois estavam interagindo de forma tão bela ao dividir o mesmo espaço, trocando experiências, olhares e sorrisos, (re)construindo algo que vale bem mais do que um 10 na passarela. A cultura popular, especialmente sob a forma da música, é um poderoso instrumento de educação e inclusão social. Eis o seu poder, a sua magia.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Carnaval de Pernambuco IV: La Ursa e Urso do Carnaval



“A la ursa quer dinheiro
Quem não dá é pirangueiro...”

Quem na infância nunca saiu de porta em porta, batendo lata e cantando esses versos, que atire a primeira moeda, ops, a primeira pedra. A La Ursa é um dos brinquedos mais estimados do carnaval de Pernambuco, tida como uma espécie de jardim de infância dos foliões. Mas a La Ursa não é só brincadeira de criança, os adultos, sobretudo nos bairros da periferia, também formam um grupo, uma batucada mais organizada e saem batendo de casa em casa, com o objetivo de levantar uma grana para comprar bebida. Apesar dessa finalidade, nada louvável, eles sempre conseguem garantir o combustível do carnaval: a boa e velha cachaça.

A La Ursa é uma diversão infantil, pura brincadeira, nascida da adaptação do Urso do Carnaval, cuja origem encontra-se nos ciganos da Europa. Esses grupos percorriam as cidades com seus animais (ursos) presos numa corrente, que dançavam de porta em porta em troca de algumas moedas, ao som da ordem: "dança la ursa!"

A figura central é o urso, um homem vestindo um velho macacão coberto de estopa, veludo ou pelúcia com sua máscara de papel-machê pintada de cores variadas, preso por uma corda na cintura. Controlado pelo domador, que segura a corda, o urso dança para alegria de todos ao som de toadas do próprio grupo ou sucessos das paradas carnavalescas, podendo variar para o Baião, Forró, Xote e até a Polca. A Orquestra do urso de carnaval é geralmente formada por sanfona, triângulo, bombo, reco-reco, ganzá e pandeiro, havendo outras mais elaboradas onde aparecem violões, cavaquinhos, clarinetes e até trombones. O conjunto traz, por vezes, além do urso, do domador e da orquestra, o tesoureiro (com sua pasta de arrecadar dinheiro), porta-cartaz ou porta-estandarte, balizas e outros elementos que lá estão só para curtir o brinquedo.

Outra característica do Urso do Carnaval é a criatividade na escolha dos nomes, a exemplo do Urso Pé de Lã, Urso Zé da Pinga, Urso Popular da Boa Vista, Urso da Tua Irmã, Urso da Tua Mulher e Urso da Tua Mãe.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Os Impactos das Mudanças Climáticas em Pernambuco



A América Latina é a região que sofrerá as maiores conseqüências do aumento da temperatura global, decorrente das aceleradas mudanças climáticas. E Pernambuco é o Estado brasileiro que sentirá os seus maiores efeitos, devido à sua localização e disposição territorial (alongada e com muitos microclimas). Se o Estado não adotar imediatamente medidas de prevenção e mitigação dos impactos, a previsão é de que Recife perca mais de 40% do seu território litorâneo com o avanço do mar e Olinda cerca de 15%, até o ano de 2100.

Pode parecer muito tempo, mas é uma falsa impressão considerando a velocidade das alterações climáticas. Isso afetaria profundamente a cidade do Recife, que tem a maior densidade demográfica litorânea em todo o Brasil, com 913 hab/km2, seguida do Rio de Janeiro, 884 hab/km2, e João Pessoa, com 373 hab/km2. Do ponto de vista da perda de riqueza patrimonial, a situação de Recife complica ainda mais, devido à verticalização das construções, sobretudo ao longo da Zona Sul. Essa ocupação ocorreu de maneira irregular, desviando cursos de rios e aterrando regiões de mangues que ocasionaram, entre outros impactos, os ataques de tubarões nas praias da Região Metropolitana do Recife. O estudo “Economia da Mudança do Clima no Brasil”, divulgado pela Embrapa em novembro/09, estima uma conta astronômica para o patrimônio das áreas costeiras, se nada for feito. Pode chegar a mais de R$ 200 bilhões, em cem anos. Já o custo de políticas públicas para reverter o cenário somaria cerca de R$ 4 bilhões até 2050, ou R$ 93 milhões por ano.

Pesquisas mostram também que o aumento da temperatura do planeta vai ter impacto nas atividades agrícolas. Uma das prováveis conseqüências a longo prazo é a mudança no mapa da agricultura brasileira. O estado do Ceará pode perder 80% da área fértil. Já Piauí e Pernambuco podem perder entre 60% e 70% da agricultura. Mudaria a geografia agrícola do Brasil. Mas será que o Brasil estaria preparado para isso? Essa mudança teria uma implicação bastante significativa para a migração, pois as populações destas áreas fatalmente mudariam para outras regiões. Isso acabaria tento impactos nos sistemas públicos de educação, saúde e em tudo que é necessário para viabilizar o bem estar dessas pessoas. Sem esquecer de citar que o impacto será ainda mais negativo para a safra de grãos, o motor do agronegócio no Brasil. As projeções da Embrapa, feitas para o estudo citado, garantem que as perdas devem chegar a R$ 7,4 bilhões em até 2020 e praticamente dobrar, chegando a R$ 14 bilhões, em 2070.

Apesar dessas tendências assustadoras, há um lampejo de coerência e vontade política para evitar ou mitigar esses efeitos, pelo menos aqui no nosso Estado. Pernambuco é o primeiro Estado brasileiro a desenvolver um estudo oficial sobre mudanças climáticas e incorporá-lo à sua política de Governo, através da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio ambiente (SECTMA). Divulgado em outubro/09, o estudo “Propostas Pernambucanas para o Enfrentamento às Mudanças Climáticas” fez um mapeamento geral e apontou soluções para os três problemas mais graves no Estado: desertificação, gestão costeira e urbanismo. Mas essa mudança de postura não é responsabilidade exclusiva das autoridades. Chegamos ao ponto onde cada um de nós deve assumir uma postura proativa em relação à responsabilidade socioambiental, que conclama a todos a lançar um novo olhar para o meio ambiente, para a atividade empresarial, para o consumo e para a qualidade de vida de toda a população.

Carnaval de PE III - Papangus, Caiporas e Caretas: a Folia no Interior



Começamos nossa viagem pelo interior de Pernambuco na cidade de Bezerros, terra do ilustre xilogravurista e cordelista J. Borges. A 107km do Recife, o acesso é pela BR 232. A cidade, também conhecida pelo clima agradável e culinária regional, é a Terra dos Papangus, brincadeira que surgiu no início do século XX, quando foliões casados fugiam de casa, escondidos pelas máscaras, para brincar o carnaval. Para manter as energias, os mascarados comiam o angu (comida típica nordestina, à base de milho) na casa de amigos e parentes. Com o passar do tempo, o grupo de papangus foi aumentando, mas o segredo da identificação do folião continua preservado até hoje. Pessoas de todas as idades divulgam e mantém a tradição, muitas confeccionam sua próprias máscaras e Bezerros tem um motivo próprio na temática de seu artesanato. O grande dia do carnaval de Bezerros é o domingo, quando acontece no centro da cidade o encontro de centenas de papangus, ao som de orquestras de frevo.

Seguindo novamente pela BR 232, a nossa próxima parada é a cidade de Pesqueira, distante 209km do Recife. Conhecida como a Terra dos Caiporas, título que conquistou em 1962, quando saiu o primeiro bloco carnavalesco dessas personagens pra lá de exóticas: homens, mulheres e crianças, vestindo terno e gravata, com um enorme saco de estopa na cabeça. Segundo a tradição popular, tochas sobrenaturais apareciam em cima das árvores, assustando e pregando peças nos caçadores e seus cães. Essas tochas eram colocadas pela Caipora, figura mitológica das matas. Para acalmar a assombração, a Caipora, e fazer boas caçadas, muitos deixavam fumo e cachaça nos troncos das árvores, alimentando a lenda. O que era motivo de medo passou, assim, a ser motivo de alegria e brincadeira.

O nosso giro pelo interior do Estado termina em Triunfo, a Terra dos Caretas, localizada no sertão pernambucano, a 402km de distância do Recife. A BR 232 e a BR 365 são as principais vias de acesso. Os Caretas são responsáveis pela originalidade do carnaval naquela cidade. Fantasiados e mascarados, de todas as idades, usam chicotes que fazem estalar no ar, num belo espetáculo de sons e cores. Anualmente é realizado concurso que elege o careta mais bem caracterizado. Com clima de serra e vegetação exuberante, a cidade de Triunfo é, em qualquer época do ano, uma excelente opção de descanso e contato com a natureza, em especial para os adeptos do ecoturismo e esportes radicais, como o rapel e tirolesa. Com uma boa estrutura de hotéis e pousadas para os turistas, a cidade foi por diversas vezes visitada pelo lendário e controverso Virgulino Ferreira e possui um dos poucos museus do cangaço, com fotografias, roupas e utensílios de Lampião e seu bando.

Agora é com você. Arrume mochila, boa viagem e boa folia - ou bom apetite, bom descanso, boas aventuras... e não esqueça de levar a máquina fotográfica.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O Vinho e as Palavras



Há algum tempo atrás assisti a um filme, muito bom por sinal, mas que, infelizmente, não recordo o nome – acontece...

Bem, o enredo se desenrolava numa fazenda vinícola e a sua tônica era discussão entre a jovem e bela herdeira da fazenda e o seu empregado mais velho, responsável por toda a produção. Apesar das diferenças, a admiração entre eles era mútua, mas ninguém dava o braço a torcer. Até que, em determinado momento do filme, o velho adoece e, no leito de morte, declara todo o orgulho e respeito por aquela garota de gênio forte, que também faz o mesmo. E o velho, no seu último suspiro, sussurra ao ouvido da jovem herdeira: “a uva... a uva é feita de vinho. Cuide bem delas.”

Ontem à noite, enquanto saboreava em casa um excelente Shiraz chileno, lembrei dessa cena do filme, e pensei: se a uva é feita de vinho, talvez a gente seja as palavras e ações que contam o que a gente é. Então, que cuidemos bem delas.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Deus Capenga

O artigo ‘Coments’, do blog de Camila Nascimento (camilanasci.blogspot.com) - excelente blog e que merece ser visitado por todos – me inspirou a escrever esse post.

Pois bem, após a leitura do post de Camila, lembrei da quantidade de amigos que perdi após virarem crentes. Confesso que no início fiquei intrigado sobre o por quê deles terem se afastado de mim e dos outros amigos. Até que um deles disse que o pastor orientou para que se afastassem dos impuros e imperfeitos, como nós. Para os crentes, eles, e somente eles, têm lugar garantido no Paraíso (também, pagaram muito caro por esse lote) enquanto que nós, meros mortais impuros, estamos condenados à danação eterna!

Uma coisa que ainda hoje me deixa impressionado é o poder da lavagem cerebral que eles fazem, e estamos em pleno Século XXI! E assim, de dízimo em dízimo, o pastor fica mais rico... Mas todo esse processo me revelou o quanto é distorcida a imagem Divina, construída e difundida pelos crentes: a imagem de um “Deus” capenga e cheio de defeitos, como nós. Afinal, fomos criados à sua imagem e semelhança, embora frutos do pecado original...

- Que “Deus” é esse? – Pra mim e pra você, Deus é Amor, Perdão, Compaixão. Mas esse “Deus” dos crentes é extremamente egoísta, além de vingativo...

- Os crentes também dizem que o “Deus” deles é "Amor". Mas que “Amor” é esse, que condena um filho a passar a eternidade cozinhando no caldeirão do Demo? A menos que o condenado e se arrependa, peça perdão a este mesmo “Deus” e o aceite para conseguir a remissão dos pecados - mas só após uma longa temporada no purgatório, à espera do Julgamento Final. E, nesse processo, pra fugir da Cozinha do Inferno, o crente entrega a sua alma, e a sua carteira, e a sua casa...

Tudo muito ambíguo e conveniente. Porém, a vida nos mostra a cada dia que a Dinâmica Divina, ou os Desígnios de Deus, ou a Lei Universal, é muito simples. Nós é que adoramos complicar tudo. Somos os autores, os construtores dos nossos Infernos ou Paraísos e trazemos a Energia de Deus em nossa Essência. Somos fractais Divinos: partes do Todo, que possuem o Todo em si. E isso, é a nossa Consciência, o principal instrumento da Onipresença de Deus.

Ao mesmo tempo em que somos imperfeitos – ainda – somos criaturas Divinas e temos condições de realizar coisas maravilhosas. Muitos de nós, meros aprendizes, nos momentos de maior adversidade, conseguem mostrar toda a sua Nobreza de Espírito, a sua Essência Divina. Os exemplos são muitos: Jesus, os Lamas, os Budas, Maria, os Santos Católicos, Mahatma Ghandi, Irmã Dulce, D. Hélder Câmara, Zilda Arns e uma legião de pessoas que se dedicam a Amar e fazer o Bem ao próximo. Todos seres humanos, como nós, que estamos em constante evolução e um dia alcançaremos a Felicidade Plena, o Nirvana, a Amithaba, o Céu, ou o Paraíso, como queiram. Ah, e sem ter que pagar nada por isso!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

CARNAVAL DE PERNAMBUCO (...) II – Maracatu Rural, a Festa dos Caboclos Guerreiros


O Maracatu Rural, ou Maracatu de Baque Solto, nasceu da fusão de vários folguedos populares de origem afro-indígena que existiam nos engenhos de cana-de-açúcar da Zona da Mata Norte do nosso Estado, principalmente em Nazaré da Mata, que nessa época era um dos mais importantes centros culturais e econômicos de Pernambuco.

No Século passado, na década de 50, o Maestro Guerra-Peixe deu a esse folguedo, também exclusivamente pernambucano, a nomenclatura oficial de Maracatu de Baque Solto e, na ocasião, declarou esta ser uma das mais belas representações da cultura brasileira. Vivendo basicamente do corte da cana-de-açúcar ou de subempregos, os brincantes do Maracatu Rural dão um verdadeiro exemplo de resistência quando, apesar de todas as dificuldades e total desamparo, conseguem manter viva a tradição. Esses homens fortes, ajudados por suas famílias, confeccionam suas próprias fantasias, onde cada um deles se doa, de corpo e alma, a esse brinquedo. A recompensa é a alegria de ser um brincante e emocionar os foliões durante o carnaval.

A musicalidade do Maracatu de Baque Solto vem da sua orquestra, formada por instrumentos de percussão e um naipe de sopros, com destaque para o trombone. O ritmo é a marcha, executada em quatro, seis e dez linhas rítmicas e com uma melodia bem característica. A principal figura do grupo é o Mestre, que puxa as toadas, ao mesmo tempo em que a orquestra silencia.

Além do Mestre, merecem destaque o Mateus, o Bastião, a Catirina, os Caboclos de Pena e os Caboclos de Lança, símbolo maior do Maracatu Rural. Fazendo evoluções com saltos e malabarismos, o Caboclo de Lança abre espaço no meio da multidão. Sua fantasia é composta de cabeleira de fios de papel celofane, onde predominam as cores vermelha e amarela, lenço colorido cobrindo a testa, calça e camisa de chitão, meiões e tênis, além da sua lança ricamente adornada com fitas de tecido de várias cores. O ponto alto da sua vestimenta é a gola, ricamente bordada em vidrilhos e lantejoulas, verdadeira obra de arte, da qual muito se orgulham os Caboclos de Lança. A gola é usada sobre o surrão, um tipo de mochila muito pesada que carrega guizos e chocalhos, produzindo um som forte e primitivo, dando um toque todo especial a esse personagem. Completando o seu visual exótico, o Caboclo de Lança traz o rosto pintado de urucum, óculos escuros espelhados (para devolver maus olhados), uma flor – um cravo – entre os dentes (para homenagear os companheiros que não estão mais nesse mundo) e a sua “arma de guerra”, a lança, uma vara de madeira ou um cano de alumínio medindo cerca de 2 metros e coberta de fitas de tecido colorido.

O Maracatu Rural sobrevive à custa do esforço e dedicação de seus brincantes. Alguns se destacam pela luta incessante em prol de condições mais dignas para o brinquedo, como fez durante toda a sua vida o saudoso Mestre Salustiano, fundador do Maracatu Piaba de Ouro, de Olinda. E para homenagear o Mestre Salu, vai um trecho de uma de suas toadas:

“Salu na rabeca é bom
Igual doce de caju...
Não tenho inveja de tu.
Quem quiser luxar que luxe,
Eu sou o tampa de Crush
Cantando Maracatu!
Maracatu vai,
Maracatu vem.
Maracatu foi criado
Nas senzalas de engém.”

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

SIMBIOSES

O peixe tem os olhos do pescador que o fisga. O homem será comido pela terra, que lhe dá de comer. O filho come a mãe, da mesma forma que a terra come o céu, ao receber a chuva dos seus peitos. O beija-flor, faminto de néctar, ataca todas as flores que encontra pela frente. E sai carregado de pólen, originando novas cores a granel.

E assim, a vida se renova...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

CARNAVAL DE PERNAMBUCO: A VERDADEIRA FESTA DA CULTURA POPULAR



Frevo de Rua, Frevo de Bloco, Frevo-Canção, Maracatu de Baque Virado, Maracatu de Baque Solto, Caboclinhos, Urso, La Ursa, Caretas, Papangus, Caiporas, Escolas de Samba, Blocos, Troças, Bonecos Gigantes... essa variedade de manifestações e folguedos fazem do carnaval de Pernambuco o mais democrático e popular do País.

Alguns folguedos, ou brinquedos – como os folgazões preferem chamar – existem apenas aqui, como o Frevo e os Maracatus de Baque Virado e de Baque Solto. O papel de preservar e valorizar a nossa cultura, os brinquedos e os brincantes não é apenas dever do Estado, mas também de cada um de nós. Por isso lançamos a série de posts ‘Carnaval de Pernambuco: a Verdadeira Festa da Cultura Popular’, onde abordaremos um pouco da história e curiosidades dos principais folguedos do nosso ciclo carnavalesco.

O brinquedo escolhido para abrir a série foi o Maracatu de Baque Virado. Os próximos serão o Maracatu de Baque Solto, Papangus, Caretas e Caiporas, Urso e La Ursa, Caboclinhos e Frevo. Somente conhecendo os nossos próprios valores é que temos condições de respeitá-los e defendê-los verdadeiramente para, assim, conquistar o respeito e a admiração de outros povos e outras culturas. Que esta série sirva como um bom aquecimento para a folia. Boa leitura!
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PERNAMBUCO DAS NAÇÕES DE MARACATU

O Maracatu Nação, ou de Baque Virado, tem sua origem na Instituição dos Reis Negros, ou Reis do Congo, que acontecia em Pernambuco durante o período da escravidão e consistia na coroação de lideranças negras.

Os negros escravizados provinham de tribos africanas que, dominadas por tribos rivais, eram vendidas aos mercadores portugueses. Nesta transação, eram comercializados todos os integrantes da tribo subjugada, inclusive os seus governantes. Chegando ao Brasil, os escravos eram novamente vendidos e levados às fazendas de açúcar onde, mesmo confinados nas senzalas, seguiam os líderes das suas tribos, organizando-se em Nações. Percebendo isso, os senhores de engenho permitiram a realização da Instituição (coroação) dos Reis Negros, com o apoio da Igreja Católica, como forma de controlar mais facilmente o espírito revoltoso dos escravos. Cada Nação seguia politicamente a um Rei aqui instituído e, espiritualmente, a vários Babalorixás ou Ialorixás (Pais ou Mães-de-Santo). No Recife, as Nações Negras eram compostas por pessoas de várias procedências, principalmente de Angola, Congo e Moçambique.

As coroações ocorriam no dia de Nossa Senhora do Rosário, dentro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no bairro da Boa Vista. As cerimônias eram dirigidas pelo Pároco daquela Freguesia. Após a coroação, os negros saíam em cortejo pelas ruas da Cidade até a fazenda, tocando suas alfaias (tambores) e louvando os Orixás, de maneira disfarçada pelo sincretismo religioso, onde cada Orixá era associado a um Santo Católico, o que persiste ainda hoje. Na fazenda, a festa continuava, sob o olhar cuidadoso do capataz e seus assistentes. Sempre que os negros comemoravam datas especiais, como o dia de Nossa Senhora do Rosário e de Santo Antônio, os senhores de engenho utilizavam o termo "maracatu" para definir pejorativamente tal reunião.

Devido ao longo período longe da África e dos seus costumes, os negros adotaram a organização política e os vestuários da Corte Portuguesa nas suas Nações. Além do casal real, existem Príncipes, Embaixadores, Condes, soldados, pajens, vassalos, entre outros. Todos vestidos à Luís XV. Como em toda Corte Real há escravos, nas Cortes das Nações de Maracatu não poderia ser diferente. Eles são representados pelos batuqueiros da Nação.

Do Século XVI até o final do XIX, período da Instituição dos Reis Negros, todas as Nações cultuavam os Orixás-Reis do povo Nagô: Xangô, o deus guerreiro do trovão, e Iansã, a deusa guerreira do relâmpago. No sincretismo religioso, são representados por São Pedro e Santa Bárbara, respectivamente. Na segunda metade do Século XIX, os senhores de engenho destituíram do "poder" os Reis Negros e fracionaram as antigas Nações, temendo uma possível reunião entre elas, o que poderia acarretar rebeliões. A partir daí, os Babalorixás e Ialorixás assumiram o controle dos membros de suas respectivas Nações de Candomblé, fazendo com que outros Orixás passassem a ser cultuados pelos vários fragmentos das Nações Negras. Como havia mais Ialorixás em atividade, a maioria das Nações de Maracatu passou a ser comandada e guiada espiritualmente por mulheres, por isso, o Maracatu de Baque Virado é Matriarcal, ou seja, a Rainha é quem manda e o Rei é só figurativo. Nesta mesma época, as Nações de Maracatu começaram a desfilar no carnaval do Recife.

As coroações continuaram a ser realizadas, tal como antigamente, até o ano de 1980 quando aconteceu a cerimônia de Dª Elda Viana, Rainha da Nação do Maracatu Porto Rico. Esta foi a última coração segundo a tradição Nagô das antigas Nações Negras. No ano seguinte, o Vaticano proibiu tal cerimônia devido à ligação das Nações Negras com o Candomblé. Hoje, as coroações são realizadas no pátio da histórica igreja, que fica de portas fechadas. Ainda assim, continua sendo um belo espetáculo.

Pernambuco foi o berço e é o maior pólo brasileiro de Maracatus que, assim como o Frevo, é um folguedo genuinamente pernambucano. Atualmente existem Nações de Maracatu ou grupos fortemente influenciados por elas em vários Estados do Brasil e outros Países, como Portugal, Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Bélgica, Inglaterra, Finlândia e Holanda.

As atuais Nações de Maracatu em Pernambuco ainda guardam muitas características da Instituição dos Reis Negros. Com o tempo, a tradição religiosa ganhou força, o termo "maracatu" passou a definir oficialmente a manifestação e esta evoluiu para folguedo popular, tornando-se um dos principais elementos na nossa cultura. Além das tradicionais Nações de Maracatu, como a Nação do Maracatu Porto Rico (fundada em 1916), a Nação do Maracatu Estrela Brilhante do Recife (fundada em 1906), a Nação do Maracatu Leão Coroado (fundada em 1880) e a Nação do Maracatu Elefante (a mais antiga, fundada em 1800), existem Nações fundadas recentemente, seguindo os mesmos preceitos e garantindo a continuidade da tradição.

O Custo Ambiental da Carne

Já faz algum tempo que estou empenhado em abandonar o consumo de carne vermelha. Ultimamente dou preferência a peixe e frutos do mar, mas confesso que o cheirinho de picanha na brasa ou de carne de sol ainda me tiram do sério... mas eu chego lá! As razões para essa minha mudança de postura são muitas e gostaria de dividir com você as mais importantes.

A média brasileira de consumo de carne por pessoa é de 70kg/ano, o que dá o equivalente a 1,3kg/semana. A pecuária ocupa uma área de 200 milhões de hectares no Brasil, representando 59% das terras do agronegócio, e a Amazônia é o local de maior concentração e expansão.

Este avanço é a custa de desmatamento, destruição de habitats, perda da biodiversidade e êxodo rural, com a produção voltada para o exterior. Para se ter uma idéia, 80% das áreas desmatadas da Amazônia são utilizadas pela pecuária, aumentando consideravelmente o custo ambiental da carne bovina.

Tudo o que consumimos (alimentos, produtos em geral e serviços) tem o seu custo ambiental. Os consumidores de vários países europeus têm consciência deste custo ambiental, forçando os produtores e empresas a adotar modelos de produção menos agressivos. Já aqui no Brasil, a realidade é outra, em relação ao consumo consciente, o que não é novidade. Ainda assim, você sabe qual o custo ambiental de um suculento filé?

- Considerando desde o nascimento do boi até o transporte da carne, a produção de um simples bife consumiu 16 vezes mais recursos naturais do que a de um prato cheio de vegetais, com o mesmo valor nutritivo. Para se produzir 1kg de carne, foi consumido cerca de 450kg de grãos;

- Cada boi ocupa uma área de um hectare, o equivalente a um campo de futebol, e custa ao seu produtor R$ 2.000,00/ano durante o seu ciclo de vida. Porém, a recuperação desta área custará ao produtor R$ 5.000,00/ano por cada boi, pois o animal compacta o solo, matando todos os sueus nutrientes, e ainda emite uma enorme quantidade de gases do efeito estufa (GEE), através de arrotos e puns! - Vale salientar que a maioria dos produtores brasileiros ignora este custo de recuperação ambiental após a degradação da área utilizada, ocupando novas áreas até esgotá-las, num verdadeiro ciclo caótico. Isso tudo, sem incluir nesta conta o consumo de água...

Na Holanda foi lançada uma campanha para incentivar a população a consumir apenas 450gr de carne por semana, o que, por si só, reduzirá em 10% as emissões de GEE. Mas no Brasil também exitem iniciativas que merecem destaque, como a de alguns criadores que aderiram ao chamado 'boi verde'. Ou seja, o gado criado com manejo ambiental correto, onde se desmata o mínimo possível, dentro de um rodízio de áreas de pastagem, com o reflorestamento da área anteriormente utilizada e uso responsável da água. O custo total de cada 'boi verde' ao produtor é de R$ 2.500,00/ano, porém, a carne possui um maior valor comercial no mercado externo, que cada vez mais dá preferência a produtos que causem menos impactos ao meio ambiente.

A minha intenção não é convencer ninguém a parar de comer carne, mas divulgar informações importantes e assim contribuir para a formação de consumidores mais conscientes dos seus direitos e, sobretudo, conscientes da sua parcela de responsabilidade social e ambiental a partir de suas escolhas.

"Devemos tirar nossas regras de comportamento do mundo natural. Devemos respeitar, com a humildade dos sábios, os limites da natureza e o mistério que ela esconde, reconhecendo que há algo no mundo dos seres vivos que, evidentemente, ultrapassa nossa competência." - Václav Havel

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Eleições 2010: quando os "ninguéns" viram gente de novo.


2010 mal começou e já promete fortes emoções: tem Copa do Mundo e Eleições!

Mas deixemos o futebol para uma outra oportunidade. Nesta eleição, como em todas as outras, as promessas serão muitas, assim como as polêmicas e baixarias. Apesar da desconfiança da população, devido às últimas peripécias de alguns "políticos", percebo que as pessoas, aos poucos, começam a renovar a esperança em dias melhores. Dentro do universo de eleitores há uma parcela significativa que só é lembrada durante as campanhas eleitorais, caindo no esquecimento logo após a apuração dos votos: os "ninguéns".

Eu costumo levar o meu filho para brincar na praça do Hipódromo, pertinho da minha casa e, no último sábado, encontrei Seu Biu. Ele vendia pipoca na minha infância, era a alegria da meninada da rua e já naquela época aparenteva ter uma certa idade. Hoje, aos oitenta e seis anos, Seu Biu continua na luta. Ele trocou a carrocinha de pipoca pela de amendoin cozido. "As crianças de hoje em dia só gostam de pipoca de microondas. Graças a Deus que o amendoin vende bem" - desabafou.

Seu Biu ficou muito feliz ao me ver e mais ainda por conhecer o meu filho. Entre um amendoin e outro, ele me confessou que estava muito cansado, principalmente depois da morte da sua 'Nega Véia', a simpática Dona Isaura - que sempre colocava uma pipoquinha a mais na mão da gente, pra desespero de Seu Biu. A sua companheira morrera dois dias após as últimas eleições. Sem dinheiro, Seu Biu procurou o candidato a Vereador que "apadrinhou" favela onde mora, certo de que conseguiria o caixão para a esposa. O candidato, então Vereador eleito, mandou avisar que estava viajando. "Galego - como Seu Biu me chama - a menina que trabalha na casa dele é filha do meu compadre... Se não fosse o Pastor de uma igreja de crente, a minha 'Nega Véia' tinha sido enterrada enrolada numa rede. E eu nem sou crente."

Depois disso, Seu Biu decidiu nunca mais votar - mesmo quando o seu voto passou a ser facultativo ele fazia questão de comparecer às urnas. "Galego, gente pobre, feito eu, pra esses cabras safados, é ninguém!"

É triste, mas Seu Biu tem razão. Além dos "políticos", muitas pessoas consideram os excluídos, os marginalizados, um bando de "ninguéns". Mas, afinal, quem são os "ninguéns"?

Os "ninguéns" são os filhos de "ninguém" e donos de nada. Os nenhuns, os fodidos e mal pagos. Os "ninguéns" são os que não têm religião, têm crenças e superstições. São os que não fazem arte, fazem artesanato. São os que não têm cultura, têm folclore. Os que não são inteligentes, são sabidos. Os "ninguéns" não são seres humanos, são recursos humanos. E não estão nas páginas da História, aparecem todos os dias nas páginas policiais.

O pior de tudo é saber que esse quadro permanecerá assim durante muito tempo. Os "políticos", parte da sociedade e os próprios "ninguéns" estão viciados nessa ciranda caótica. O que fazer, então? - Agir e educar, especialmente os nossos filhos. E também não custa nada apelar aos Céus, como fez Joãozinho Trinta: "Jesus Cristo, mesmo proibido, olhai por nós!"