quarta-feira, 17 de março de 2010
Perigo no mar: essa é a época dos tubarões.
“São as águas de março fechando o verão...”
O outono começa no próximo dia 21, mas já é sensível a mudança no clima – temperaturas mais amenas, pancadas de chuva, ventos mais fortes e marés mais altas. Estas características, sobretudo as três últimas, perduram até o mês de setembro e justamente nesse período foram registrados a maioria dos ataques de tubarões na Região Metropolitana do Recife.
A combinação desses fatores deixa as águas do nosso litoral ainda mais turvas, o que dificulta a visibilidade dos tubarões, aumentando o risco de incidente por erro de identificação. Dentre as espécies ocorrentes em nossas praias, duas são responsáveis pela maior parte dos ataques: o tubarão tigre e o cabeça-chata, sendo este último apontado por especialistas como o mais agressivo entre todas as espécies (para se ter uma idéia, foi feito um ranking Top 10, e o cabeça-chata deixou para trás pesos-pesados como o tubarão tigre, o tintureira, o mangona, o martelo e o grande tubarão branco). Encontrado nos oceanos do mundo inteiro, o tubarão cabeça-chata possui comportamento imprevisível e extremamente territorial, muitos cientistas afirmam que esta é a espécie mais perigosa para o homem, pois habita águas rasas e costeiras. Uma outra característica peculiar é a sua tolerância à água doce. Esses tubarões podem nadar vários quilômetros rio adentro, o que provavelmente os torna os maiores responsáveis por ataques a humanos dentre todas as outras espécies. Além de estarem espalhados por águas tropicais e subtropicais dos mares do mundo inteiro, o tubarão-cabeça-chata já foi encontrado a 4000 km no rio Amazonas, em Iquitos (Peru), no rio Mississipi (Estados Unidos), nos rios Ganges e Brahmaputra (Índia), no rio Zambezi (África), entre outros, e também no lago Nicarágua.
De acordo com pesquisadores do Centro de Pesquisa do Tubarão, na Flórida (Estados Unidos), o cabeça-chata é o animal com o mais alto nível de testosterona do planeta, o que explica ser ele o mais combativo e nervoso de todos os tubarões. O encontro com um animal desse, que pode medir até 3,5m, pode ser fatal para o ser humano. Seus dentes inferiores, pontudos, foram projetados para segurar a presa, enquanto os superiores, triangulares e serrilhados, cortam e arrancam a carne. Sua mordida provoca uma grande e profunda ferida capaz de mutilar membros e, muitas vezes, mortal, por hemorragia ou por infecção, esta última devido à enorme quantidade de bactérias presentes na boca do animal. Seu método de caça é a emboscada. Destemido, o cabeça-chata costuma atacar presas tão grandes quanto ele e, como se trata de uma espécie territorialista, a geografia submarina e o senso de defesa do seu território podem provocar um ataque. Mesmo que não se perceba, o tubarão pode se sentir acuado e/ou invadido com a presença humana em sua área. Assim, as vítimas humanas seriam vistas pelo cabeça-chata muito mais como invasores inadvertidos do que como presas. Essa tese é reforçada pelo fato da maioria dos ataques ocorrer com uma única mordida.
No caso específico do nosso litoral, o desequilíbrio ambiental (proveniente da poluição das águas, aterro de manguezais, construções irregulares por toda a orla, o Porto de Suape, a destruição de habitats marinhos, entre outros) agravou ainda mais o fator geográfico. Na Região Metropolitana de Recife existe um profundo canal, que se estende da praia do Paiva até a do Pina (incluindo toda a praia de Boa Viagem), utilizados como “refeitório” e “pousada” pelas espécies de tubarões, entre elas o cabeça-chata. Esse canal fica logo após a barreira natural de arrecifes, que tem algumas aberturas ligando a praia ao mar aberto, possibilitando a entrada dos tubarões na maré alta. Os principais pontos de abertura estão na praia de Piedade (em frente à igreja e ao Hospital da Aeronáutica) e em Boa Viagem (em frente ao Acaiaca, o point mais procurado por recifenses e turistas).
Em se tratando do tubarão cabeça-chata, o risco aumenta consideravelmente pelo fato dele conseguir nadar em águas muito rasas. Um caso clássico de ataque em águas rasas ocorreu em 2001, nos Estados Unidos. Na tarde do dia 06 de junho, o menino Jessie, de oito anos, brincava com seu irmão e com seu primo a cinco metros da areia, onde a água chegava à altura de seus joelhos, em Gulf Islands, na Flórida. De repente, seu irmão sentiu algo esbarrando em sua perna e logo após viu a dorsal do tubarão saindo mais de meio metro para fora da água. O tubarão mordeu o braço direito de Jessie, arrancando-o, juntamente com um pedaço de sua coxa direita. Ao ouvirem os gritos, seu tio, Vance, e outro homem que estavam a poucos metros, entraram rapidamente na água, mas já se depararam com um tubarão cabeça-chata, com 2,35m e 90kg, rolando com o braço direito do menino dentro de sua boca. O tio de Jesse, triatleta, conseguiu, na segunda tentativa, puxar o tubarão para a areia, com o braço de Jessie parcialmente engolido. Um policial matou o tubarão com quatro tiros para que pudessem retirar o braço do garoto e levar ao hospital. Jessie deu entrada no hospital quase morto, estava em choque e havia perdido quase todo o sangue do corpo. Após 12 horas de cirurgia, o seu braço foi reimplantado e Jessie permaneceu em coma por alguns meses, com os médicos temendo que ele ficasse com alguns danos cerebrais por ter ficado muito tempo sem sangue e sem oxigênio, o que realmente aconteceu. Jessie vive atualmente em uma cama e apresenta várias seqüelas. Na Internet há uma página chamada ‘Jessie Arbogast News Update’, que fornece notícias sobre a evolução de Jessie, a rotina de vida da sua família (o seu pai deixou o emprego para cuidar exclusivamente dele) e pede doações para seu tratamento.
Esse caso aconteceu nos Estados Unidos, mas pode acontecer com qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. Por isso, todo cuidado é pouco, principalmente com crianças. Evitem tomar banho de mar durante esse período, de março a setembro, em especial no início da manhã e no final da tarde. Infelizmente, Recife vai ter que aprender a conviver com essa realidade dos tubarões e não há nada que podemos fazer para mudá-la. Já ouvi de muita gente que para resolver o problema é só acabar com os tubarões. Esse é o tipo de pensamento de pessoas que se deixam levar pela emoção e não têm conhecimento suficiente para entender o funcionamento da natureza e a função de cada espécie. Os tubarões exercem duas funções primordiais na manutenção do equilíbrio e da saúde da vida nos oceanos. Primeiro, como predadores situados no topo da cadeia alimentar, o equivalente oceânico aos leões africanos e tigres asiáticos, os tubarões asseguram um tipo de ordem nos oceanos. Mantêm o controle populacional de suas presas habituais e exercem importante papel na seleção natural ao predar os mais lentos e os mais fracos. Segundo, ao comerem os animais e peixes doentes, feridos ou mortos, os tubarões exercem também uma função importante na manutenção da saúde dos oceanos. Para entender melhor o que isso significa, basta ver a semelhante função do urubu no ambiente terrestre. Os urubus, assim como os grandes carniceiros, consomem um cadáver em questão de minutos. Se acabarmos com esses animais, as carniças passariam a ser consumidas por insetos, bactérias e micróbios, que levariam dias ou semanas nesse intento, e o nível de microorganismos no ar que respiramos seria insuportável ou até mesmo insalubre. No ambiente marinho ocorreria o mesmo. Lembrando que, ao eliminar qualquer espécie de uma cadeia alimentar, toda cadeia entra em colapso e esse colapso atingiria diretamente aos seres humanos.
Apesar de todas essas evidências e do real perigo que representam, as autoridades pernambucanas ainda não colocaram em prática as ações efetivas de educação da população e dos turistas para os riscos nesse período crítico, de março a setembro. O CEMIT (Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões) disponibilizou cartazes em todos os ônibus da Região Metropolitana do Recife, mas esta ação, que é por si só praticamente insignificante, perdeu o sentido porque, em menos de uma semana, os cartazes foram retirados para dar lugar a propagandas institucionais do consórcio que administra o transporte público. Além do mais, a imprensa deixa de cumprir uma de suas funções fundamentais, que é alertar a população – ao permanecer calada, passa a impressão de que está à espera do próximo ataque para produzir matérias mais interessantes, chamativas. Eu sempre fui apaixonado pelo mar e admirador desses incríveis animais. Uma das coisas que mais gosto de fazer na vida é surfar, mas desde quando os ataques começaram, na década de 1990, eu me dediquei a estudá-los e hoje os respeito ainda mais. Pegar onda, só quando tenho tempo de ir até Maracaípe... mas esse é o preço que estamos pagando por não respeitar a natureza em nome do crescimento a todo custo. Os tubarões, assim como todas as outras formas de vida marinha, são os verdadeiros donos do mar. E os ataques são apenas uma das conseqüências de não adotarmos a sustentabilidade nas nossas ações e escolhas do dia-a-dia.
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