quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Vocêm Tem Medo de Tubarão? (por Marcelo Szpilman*)
Já pensou que isso pode ser uma fobia provocada por mitos e inverdades?
No dia 7 de fevereiro de 2010, um domingo de sol em Guajará-Mirim (RO), enquanto brincava com seu irmão em uma área reservada para banhistas de um igarapé, uma menina de 11 anos foi atacada por uma jacaré-açu. O animal abocanhou sua vítima, mergulhou e desapareceu. Essa notícia, e como ela foi veiculada, mostra bem o tratamento desigual nos casos de ataque de animais ao homem.
A notícia em questão foi veiculada através de uma pequena chamada na versão online do Jornal O Globo, o que é absolutamente normal. Porém, se tivesse sido um ataque fatal de tubarão, provavelmente a notícia estaria na primeira página da versão impressa desse e de outros jornais. Cabe aqui lembrar dois episódios que ilustram muito bem esse tratamento diferenciado. No final do verão de 2003, o avistamento de dois tubarões nadando na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e sua divulgação, geraram falsos alarmes de ataque de tubarão, medo e insegurança e a veiculação da manchete “cuidado, tubarões estão rondando as praias do Rio”. Nesse mesmo ano, um cidadão estava andando no Centro do Rio de Janeiro e um martelo de obra caiu na sua cabeça e o matou. A manchete “cuidado, martelos estão caindo no Centro do Rio”, se tivesse sido publicada, seria motivo de piada. No entanto, a probabilidade de outra pessoa morrer com um martelo caindo em sua cabeça é infinitamente maior do que atacada por um tubarão nas praias do Rio de Janeiro, onde houve somente 9 ataques nos últimos 90 anos.
Quanto ao poder de causar pânico, nada se compara com o ataque de um tubarão. Na Tanzânia, Moçambique e Etiópia, anualmente, dezenas de pessoas são atacadas e devoradas por leões. Na Índia, os tigres fazem o mesmo. No Egito, cães selvagens atacam centenas de pessoas todos os anos. Elefantes atacam e matam dezenas de pessoas na África, mas ninguém tem fobia de elefante. O melhor amigo do homem é responsável por milhões de ataques e centenas de mortes ao redor do mundo e, com exceção dos que já foram atacados, poucos têm fobia de cachorro. No entanto, a maioria das pessoas, mesmo aquelas que nunca viram o mar, têm fobia de tubarão. Incrível, não?
Bom, e onde eu quero chegar com isso? A pretenção desse artigo é tentar desmitificar essa imagem sensacionalista e irreal. Tentar convencê-lo de que o tubarão não é o famigerado “terror dos mares”. Acredito que Netuno torça para que eu consiga.
Ao entrar no mar, é bem verdade, passamos a compartilhar o ambiente natural desses extraordinários predadores, mas, ainda assim, somente circunstâncias muito especiais costumam ocasionar um ataque ao ser humano. Na realidade, ataques de tubarão ao homem são eventos absolutamente raros em quase todo o mundo. São tão improváveis e inusitados que podemos chamá-los de incidentes.
Das 400 espécies que habitam os oceanos do Planeta, os registros demonstram que somente três são perigosas e realmente podem atacar de forma não-provocada, inclusive no litoral brasileiro. São elas: o tubarão-branco, o tubarão-tigre e o tubarão cabeça-chata. Mas deve-se esclarecer que, fora os ataques motivados por essas circunstâncias especiais, como erros de identificação ou invasão de território, não se sabe exatamente por que essas espécies podem agir desta forma, pois se nós humanos realmente representássemos uma presa apetitosa aos seus olhos, haveria muito poucas praias seguras ao redor do mundo e os ataques seriam diários e contados aos milhares.
O vasto e misterioso oceano sempre foi um elemento provocador de um medo mítico. Se nos tempos das grandes navegações temia-se os dragões e polvos gigantes, os tubarões são, seguramente, os seres marinhos mais temidos e respeitados no mundo contemporâneo. Dentre os grandes animais em todo o planeta implicados em ataques aos seres humanos, apenas os tubarões não permitem um “controle” pontual por parte do homem. Tudo isso, com certeza, potencializa nossa insegurança, mas não podemos desconsiderar o lado racional dessa questão. Veja abaixo alguns dados estatísticos comparativos.
Animais selvagens que mais atacam o homem, no planeta:
Cobras - 250.000 ataques por ano
Crocodilos e jacarés - 2.500 ataques por ano
Abelhas - 1.250 ataques por ano
Hipopótamos - 400 ataques por ano
Elefantes - 250 ataques por ano
Leões - 150 ataques por ano
Tigres - 120 ataques por ano
Tubarões - 80 a 100 ataques por ano
Para cada morte por ataque de tubarão nos EUA, temos:
37 mortes por ataque de cobras
45 mortes por ataque de cachorros
Ataques de cachorros ao homem:
EUA - 4,5 milhões de ataques por ano, com 300 mil hospitalizações.
Rio ou São Paulo - 150 mil ataques por ano.
Riscos e Probabilidades de Morte por:
Ataque cardíaco = 1 em 300
Arma de fogo = 1 em 9 mil
Acidente de carro = 1 em 19 mil
Afogamento = 1 em 225 mil
Raio = 1 em 4 milhões
Acidente de avião = 1 em 8 milhões
Ataque de cachorro = 1 em 11 milhões
Ataque de tubarão = 1 em 95 milhões (acertar na Mega-Sena = 1 em 50 milhões)
(...)
Mesmo aqueles que frequentam as praias e sabem (ou pelo menos deveriam saber) que, estatisticamente falando, têm 130 vezes mais chances de morrer dirigindo seu carro até a praia do que ao se aventurar na água após chegar lá, ou 75 vezes mais chances de morrer afogado na praia do que vitimado por um tubarão ou mesmo 15 vezes mais chances de morrer passando embaixo de um inofensivo coqueiro do que por um ataque de tubarão, apresentam comportamento semelhante. E por que isso acontece?
Ter medo de um animal ameaçador é normal. O medo é um componente importante para nossa sobrevivência. No entanto, quando esse medo torna-se desproporcional à ameaça, sem controle, evolui para fobia. E somente a fobia pode explicar tal comportamento irracional. Não é por outra razão que o ataque de tubarão é o segundo perigo natural mais temido na mente humana. Só perde para a morte. (...)
Tenho mergulhado com tubarões ao redor do mundo, incluindo as três espécies “mais perigosas”, com o objetivo de mostrar que é perfeitamente possível interagir de forma amistosa com esses seres fantásticos. Em minhas palestras pelo Brasil, gosto de expor uma comparação que exemplifica a diferença de interação e potencial de risco. Se você passar ao lado de um grande predador, como o crocodilo, o leão ou o tigre, e ele estiver com fome, há 100% de certeza de que ele o verá como uma presa e irá te atacar e te devorar. No entanto, você pode mergulhar com um tubarão sem saber se ele se alimentou nos últimos dias e, com certeza, ele irá te respeitar e não atacará.
Assim como tenho feito, biólogos marinhos e outros profissionais vêm estudando os tubarões nos últimos anos para tentar entender melhor seu comportamento e o porquê dos ocasionais ataques ao homem. Um dos objetivos principais é desmitificar e apagar a errônea imagem de “comedor de homens”, como a que foi imputada na década de 1970 ao tubarão-branco com o lançamento do famoso filme Tubarão, de Steven Spielberg. A partir daí, a fobia espalhou-se pelo mundo. O filme conseguiu, com grande êxito, passar a distorcida idéia de que o tubarão-branco era um animal perverso e sanguinário, que tinha o homem como alvo principal. A imagem da barbatana dorsal do tubarão-branco, como uma foice singrando as águas atrás da próxima e indefesa vítima humana, que inevitavelmente era abocanhada e mastigada pelas imensas mandíbulas abertas com enormes dentes triangulares aparentes, foi tão forte e negativa que os tubarões-brancos passaram a ser considerados inimigos públicos número 1 da sociedade. Foram perseguidos e caçados impiedosamente. Apesar de seu tamanho e força, milhares foram exterminados e a espécie não conseguiu absorver o golpe, declinando mais de 80% nos últimos 30 anos.
Infelizmente, toda essa fobia continua contribuindo para que a sociedade não se preocupe com a matança cruel dos tubarões. Ou pior, forma uma torcida coletiva de fóbicos que acreditam que a solução passa por “limpar as águas infestadas por essa feras”. Atualmente, cerca de 100 milhões de tubarões são capturados e mortos a cada ano em todos os mares, grande parte para obtenção das barbatanas de tubarão. Isso representa uma monumental ameaça à sobrevivência dos tubarões e está levando muitas populações ao declínio vertiginoso. Nesse ritmo de consumo insustentável, algumas espécies serão extintas nos próximos anos. E sem esses guardiões dos mares, teremos um ambiente marinho doente, frágil e com desequilíbrios ambientais imprevisíveis.
O Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA) tem, entre seus grandes objetivos, a tarefa de desmitificar essa imagem sensacionalista e irreal dos tubarões e mostrar que eles exercem um papel crucial na manutenção da saúde e do equilíbrio dos ecossistemas marinhos. Só assim, conseguiremos convencer as pessoas a aceitar que os tubarões são seres marinhos que também merecem e precisam ser preservados, como os golfinhos, baleias e tartarugas.
Participe do Protuba e ajude a preservar nossos oceanos!
Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA)
Instituto Ecológico Aqualung
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Tels: (21) 2558-3428 ou 2558-3429 ou 2556-5030
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E-mail: instaqua@uol.com.br
Site: http://www.institutoaqualung.com.br
Visite o site e conheça o trabalho do Protuba - http://www.institutoaqualung.com.br/protuba.html
Aproveite para se associar ao Protuba. Não fique parado! Ajude-nos nessa luta!
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* Marcelo Szpilman, Biólogo Marinho formado pela UFRJ, com Pós-Graduação Executiva em Meio Ambiente (MBE) pela COPPE/UFRJ, é autor do livro GUIA AQUALUNG DE PEIXES, editado em 1991, de sua versão ampliada em inglês AQUALUNG GUIDE TO FISHES, editado em 1992, do livro SERES MARINHOS PERIGOSOS, editado em 1998/99, do livro PEIXES MARINHOS DO BRASIL, editado em 2000/01, do livro TUBARÕES NO BRASIL, editado em 2004, e de várias matérias e artigos sobre a natureza, ecologia, evolução e fauna marinha publicados nos últimos anos em diversas revistas e jornais e no Informativo do Instituto Aqualung. Atualmente, Marcelo Szpilman é diretor do Instituto Ecológico Aqualung, Editor e Redator do Informativo do citado Instituto, diretor do Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA) e membro da Comissão Científica Nacional (COCIEN) da Confederação Brasileira de Pesca e Desportos Subaquáticos (CBPDS).
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